Capítulo 6

Há de valer!

Absolutamente todas as recordações de infância que tenho de Ellen são artísticas. Sentada silenciosa no chão da escola construindo maquete, fazendo tranças em meus cabelos, piruetando nas coxias dos teatros, me ajudando a combinar minhas roupas, a cadência dos comentários altamente assertivos contrariando a voz baixa… até seu mau-humor matinal era artístico.

Qualquer um que a conhecesse minimamente podia notar sua vocação natural. Ela facilmente se inclinaria para uma carreira no mundo das artes, certo? Hum, nem tão certo assim.

Por alguma razão, a vida às vezes nos poupa os atalhos.

Confesso que me trouxe alguma surpresa vê-la ocupando um cargo e a rotina pouco viscerais de uma vaga corporativa. Prática e adaptável, tudo lhe caía bem, mas é que lhe faltava… alma.

E a alma sempre reivindica lugar.

Com um salto de coragem, Ellen mandou às favas a estabilidade e o status social empresarial e empreendeu pela primeira vez: nasceu Carmela. Suas mãos deixaram o teclado frio para se aventurarem pelos metais e soldas da joalheria artesanal! Era empolgante e assustador na mesma proporção.

Aos poucos, a marca foi ganhando espaço nas orelhas, pescoços e no boca a boca. Quando finalmente Carmela começava a colecionar sua cartela de clientes brasileiras, a vida lhe convidou a um novo desafio: conquistar a simpatia (e o gosto!) dos alemães.

Com quilos e mais quilos de ferramentas na mala e algum frio na barriga, Ellen embarcou para Dusseldorf e inaugurou um novo capítulo no velho mundo.

A repaginada merecia ser total e Carmela recolheu-se para dar lugar à Galeria Verse: mais madura, refinada e igualmente autêntica. Agora mulheres também da Europa poderiam vestir-se e ver-se na estética divertida e arrojada de mãos brasileiras. E assim foi.

A mudança territorial trouxe uma nova cara à galeria e toneladas de experiências à nossa artesã. Ellen me confessou a multitude de sentimentos que a povoavam com o seu negócio: do bem-estar e satisfação que a arte lhe trazia ao tempero amargo da impaciência e do medo. Empreender é dar passos no escuro, é ir sem saber. E talvez por isso mesmo, seja sobre apreciação. Permanecer inteira e apostando em si e na sua arte torna-se palpável quando a artista consegue abandonar a lógica materialista do foco em resultados e celebrar o processo. Como em uma meditação, o êxito se dá segundo a segundo nas respirações ritmadas da jornada. Em cada anel finalizado, cada cliente sorridente, cada metro do trajeto.

Eu disse trajeto?

Pois bem, acontece que mudou de novo! Caminhos pessoais transportaram Ellen e sua caixa de apetrechos um pouco mais a oeste do mapa: a cidade de Valência acaba de receber mais uma artista!

E eu só consigo lembrar da garotinha tímida no chão da escola colando maquete. Essa mesma garota, meu orgulho, minha prima… está ganhando o mundo. Mais que isso: está ganhando a si mesma. A empresa e a dupla migração a lançaram num mundo de exposições, no qual eu a vi encarar sua vulnerabilidade. Inseguranças, redes sociais, medo de falar em público (pensa em alguém que pagava para não apresentar a feira de ciências e que deu workshop na Alemanha!!!)

Enquanto escrevo, lembro de uma frase do escritor Steven Pressfield que cito de memória: ele diz que as musas inspiradoras de Homero estão por aí lançando suas ideias criativas sobre nossas cabeças, para aqueles que ousarem vencer suas resistências e abraçar a coragem de seguir seu propósito as realizem.

É preciso um tanto de autocompaixão para nos acolhermos nas possíveis quedas. E um bocado de valentia para escutar as musas.

Valência é das valentes. Das artísticas e ousadas. O vigor e o sangue quente latino abrem os braços para a sua arte.

Abram alas que Ellen está chegando com toda a galeria.

Haverá colorido,

Movimento,

Haverá manhãs com humor bravo, bem espanhol.

Sobretudo, haverá vida!

Valência há de valer!

 

Texto escrito por Ligia Vertematte

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