Capítulo 8

Recomeço

Às vezes a vida anda na contra mão até pegar a saída correta. Às vezes a gente precisa parar para conseguir sair do lugar. Às vezes damos passos para trás para poder voltar a avançar.

Simone é educadora física, escolheu sua profissão cedo, escolheu com o coração. Ela, diferente da maioria dos colegas de faculdade, não amava praticar esportes, se considerava até um pouco preguiçosa, mas acompanhava absolutamente todas as modalidades pela tv, sabia demais, era super interessada nos debates e sonhava com uma carreira acadêmica na área.

Bom…acho que você pode imaginar que o campo de pesquisa acadêmica esportiva no Brasil não é muito grande né? De fato, ao final da graduação, demorou um pouquinho até que Simone conseguisse uma vaga no tão sonhado mestrado. Mas ela não ficou parada esperando não. Tirou a preguiça do corpo e foi trabalhar em uma academia dando aulas de natação enquanto continuava se preparando para a prova de mestrado.

E assim foi por um ano até que a vaga apareceu e era dela. Simone foi estudar como eventos esportivos impactam políticas públicas. Que projeto interessante! Finalmente estava trabalhando com o que queria e com uma equipe bem legal mas, uma mudança no governo cortou muito as verbas de ciência do país e ela se viu no final do mestrado sem vaga para continuar seus estudos e seguir para o doutorado. E toca voltar pro mercado novamente.

Aos 30 anos Simone mais uma vez colocava seu maiô, espremia seu cabelo cacheado na touca apertada de natação e caía na piscina. Não só em uma, mas em três. Nessa idade, ela sentia a pressão social para ser independente, sair da casa dos pais, poder comprar um carro, ter suas coisinhas. Com os salários baixíssimos do mercado, se desdobrava em três empregos.

As primeiras aulas eram super cedo pela manhã, as últimas tarde da noite. Seu corpo sentiu o baque. Simone vivia doente e a saúde mental começou a dar sinais de que não andava lá muito bem. Depois de 10 anos nesse triathlon da vida, ela sabia que precisava repensar suas escolhas e seguir um rumo mais saudável e sustentável. O que ela não sabia era que essa mudança de direção seria imposta de forma tão abrupta.

Com a chegada da pandemia, as academias foram fechadas e Simone forçada a parar. Foi uma fase bastante difícil.  Apesar da pausa necessária para cuidar do corpo, sua saúde mental ainda sofria com o ritmo dos últimos anos e somado aos medos e incertezas que esse momento trouxe à todos nós, não andava nada bem. As crises de ansiedade que antes eram mais discretas e silenciosas agora tinham episódios mais severos e intensos. Estava na hora de mudar, mas para onde? Que caminho pegar?

Ela estava disposta a começar tudo do zero e tinha algumas opções de carreira em mente. A que mais brilhava os olhos era a de jornalista. Mas sua maior vontade mesmo era ter uma vida regrada, trabalhar em horário comercial, ter um salário digno, estabilidade. Ela tinha uma lista de sonhos para realizar e se ela ia começar tudo de novo, que fosse por uma carreira que a permitisse viver esses sonhos.

Em meio à pandemia Simone começou a fazer um curso de tecnologia da informação. Ela nunca em um milhão de anos tinha pensado em uma carreira em TI, não sabia bulhufas de computação além do básico do dia a dia, mas encarou o desafio de peito aberto. Como quem descobre um músculo novo depois de uma nova série na academia, ela descobriu capacidades que estavam alí escondida debaixo de um vida toda no esporte.

Em pouco tempo Simone conseguiu seu primeiro emprego na área. Foi ser estagiária no setor de tecnologia da Renault e lembra com graça o constragimento de ser a mais velha entre a molecada de 20 anos em seu primeiro dia de trabalho. Constragimento que durou só os primeiros dias mesmo, porque ela fez disso vantagem e usou sua experiência de vida e maturidade para cavar seu espaço e crescer na carreira super rápido.

Hoje faz 3 anos desde sua transição, já tem uma equipe a qual lidera, está satisfeita profissionalmente, saudável e realizando uma porção daqueles sonhos anotados no papel. Diz orgulhosa que evoluiu mais em 3 anos de TI do que em 10 anos de educação física. E é pra ter orgulho mesmo.

Simone precisou de muita coragem para assumir seus desejos. Em um mundo cheio de discursos rasos do tipo “trabalhe com o que ama e nunca mais vai precisar trabalhar” ou “fazer o que ama é essencial para o sucesso”, Simone foi na contramão. Com os dois pés no chão e cabeça no lugar ela escolheu uma profissão que lhe pagasse um salário justo, respeitasse suas horas de descanso, lhe desse estabilidade, férias, seguro saúde, reconhecimento. Para ela, isso é felicidade.

Ainda ama esporte, acompanha campeonatos pela tv, segue antenada nas pesquisas e mantém vivo o desejo de um dia fazer um doutorado na área, mas por enquanto leva sua paixão como hobby. Luxo que por anos não pode ter e que agora desfruta com corpo e alma sãos.

Se tem sucesso maior do que esse, eu desconheço!

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