Capítulo 7

Existir é um ato de resistência

 

A Ana pequenininha já era fashionista, andava com os sapatos de salto da mãe pra cima e pra baixo, passava batom nos lábios, era super vaidosa, desfilava no corredor de casa e dizia que ia morar na França quando crescesse. Tinha certeza do que queria para o seu futuro. Não com a mesma certeza que eu tinha de que eu seria veterinária, e depois astronauta, e depois vendedora de loja. Ela tinha CERTEZA que seu futuro brilharia na cidade luz.

Apesar de sonhar com as passarelas, sempre muito pé no chão, optou por cursar publicidade e propaganda, e de maneira natural começou a trabalhar com redes sociais nas agências pelas quais passou. Mas em 2018, depois de se formar na faculdade, sabia que estava na hora de seguir sua verdadeira vocação. Por coincidência, destino ou obstinação, descobriu um mestrado em redes sociais para marcas de moda e beleza em Paris que lhe caía como luvas de couro forradas em cetim. Era exatamente o que ela buscava. E lá foi ela, munida de toda vontade, determinação e posts de Instagram para sua nova casa.

Entre as burocracias de uma mudança de país, desafios linguísticos, afazeres domésticos e muito estudo, Ana também começou a compartilhar suas vivências através das redes. Acompanhá-la andar pelas ruas de Paris era um deleite com gostinho de pain au chocolat. Impossível resistir. Tinha dicas de looks, informação sobre seu curso, história da moda, life style, e muita gente dando opinião.

Era comentário sobre sua sobrancelha, estilo da unha, tamanho de cabelo e sobre seu peso. Tinha também cobrança sobre sua militância. Ela, como mulher gorda, se via na obrigação de estar sempre falando sobre isso, dando aula de autoestima, inspirando e sendo exemplo para tantas mulheres carentes de referência. 

Mas Ana é tão mais do que isso. Ela é a generosidade em pessoa, super inteligente, estudiosa, leal até o último fio de cabelo, e olha que de cabelo ela entende. Ana só desejava a liberdade de ser ela mesma, vestir roupas que refletissem seu estado de espírito sem que cada peça fosse um protesto. Ela precisou resistir às pressões para garantir seu direito de apenas existir.

Aliás, resistência poderia ser seu sobrenome. Ana construiu sua vida sozinha longe do seu país, viveu a dor de perder uma das pessoas que mais amava enquanto estava longe, viu sua vida virar o próprio O Diabo veste Prada trabalhando para uma guru da moda que a fazia cozinhar para seus filhos e faxinar sua casa enquanto sofria humilhações públicas rotineiras. 

Hoje, com milhares de seguidores, parcerias com marcas francesas importantes, presença garantida no Fashion Week e convite para os eventos mais descolados de Paris, Ana ainda tem muito o que conquistar. Em busca de um pouco mais de segurança e estabilidade que lhe faltam na carreira de criadora de conteúdo, ela vislumbra um futuro mais nos bastidores, quem sabe trabalhando com as redes sociais de alguma grife de moda? Mas calma fâs, ainda teremos muito dela nos nossos stories.

Ao final da nossa conversa perguntei à ela de onde veio essa autoconfiança e força que ela exala. Ela me respondeu lindamente que autoconfiança é uma luta diária que nem sempre a gente ganha. Que é como a própria vida repleta de altos e baixos. Me mostrou que autoestima nasce do respeito a si mesma e da valorização dos próprios sentimentos, de não forçar a barra quando não nos sentimos assim tão bem, mas aproveitar e celebrar os dias ensolarados.

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